No passado ano, algures entre o dia 20 e o dia 22 de junho, deu-se o evento pelo qual esperei 9 anos. O baile de finalistas.
Ainda me lembro quando ainda era um palmo de gente, que sonhava usar uns sapatos com um tacão do tamanho de um degrau de uma escada e um longo vestido. Já pensava na entrada triunfal, no cabelo arranjado e na pose para as fotografias. Tinha que ser extravagante.
Mas tudo foi diferente. Passei um dia inteiro, numa cidade a 1 hora de distância de Cinfães, à procura do vestido ideal. A minha ideia já tinha mudado. Queria algo simples, apenas com um leve pormenor que desse um pouco nas vistas, mas, acima de tudo, queria passar despercebida. Minutos antes da vinda para cá e já prestes a desistir, encontrei a peça ideal: um vestido preto, um pouco curto na opinião do meu pai, com um leve decote. Claro está, que teria de ter um pormenor: visto de trás o vestido não possuía tecido ou, como se costuma dizer, não tinha “costas”, e um pequeno laço também preto a meio das costas. Era perfeito. E foi destino, pois era o último e era o meu tamanho.
No dia do bendito evento, estive na escola todo o dia em funções de organização. Nunca pensei que organizar um simples baile de uma escola básica, fosse tão complicado e tão cansativo. Tivemos que limpar o recinto (incluindo as casas de banho – trabalho que realizei com imensa dignidade), decorar o espaço e ainda pôr as mesas para cerca de 90 convidados, para o jantar.
Perto das 16h saí do recinto escolar, para me preparar. Estiquei o cabelo apenas, vesti o vestido com o pormenor de um casaco rosa carmim, um pouco de maquilhagem e calcei umas sabrinas rasas (sem o tal tacão).
Entre uma mãe empolgada, um irmão fotógrafo e um pai observador, saí rumo ao jantar.
Estava tão nervosa que nem consegui andar direito. Queria rapidamente ver o meu par. Vinha deslumbrante! Igualmente de preto com uma gravata cor-de-rosa e com um sorriso de orelha a orelha. Com um brilho nos olhos, dançamos toda a noite. Uma memória que iremos recordar sempre.
O que importa não é darmos nas vistas por toda a excentricidade, mas sim pela simplicidade, pelo esforço e dedicação com que nos entregamos a algo. Há uma razão para nos levantarmos todos os dias e é essa razão pela qual nos devemos importar.
Problemas resolvem-se, tempestades passam, viagens acabam, mas o que importa vai estar sempre lá para nos agarrar e dar força para continuar em mais uma jornada do dia a dia.
Segue os teus sonhos e transforma-os em simples doces da tua vida.
MARIA INÊS CARNEIRO BARBOSA
O que importa és tu.
Somos nós.
Aquele e o outro.
A família. Os amigos. Os vizinhos. Os desconhecidos.
Ser maior é ser inteiro com os outros.
O que importa é o respeito. A compreensão. A sinceridade.
Conhecer gentes e costumes diferentes.
Ultrapassar barreiras físicas e emocionais.
Gostar de aprender com os livros. Aprender sempre com as pessoas.
O que importa é olhar em nossa volta e perceber que somos um entre tantos.
Um entre outros que por vezes também andam perdidos.
O que importa é darmos as mãos e percorrermos esse caminho.
É amparar aquele que fica sem chão.
Cobrir o outro que perdeu o agasalho.
O que importa é sorrir e esquecer os nossos incómodos quando precisam de nós.
O que importa é que perante a vida e a morte sejamos capazes de amar.
Amar aquele que nos ilumina o mundo e aquele que precisa da nossa luz.
O que importa é a tranquilidade de um rio sereno.
O canto dos pássaros madrugadores. O pulsar da cidade.
O que importa é o beijo que damos ao acordar.
O que importa é sermos capazes de chorar, de gritar, de nos indignarmos perante a inutilidade, o vazio e o supérfluo.
O que importa é não compactuar com a violência, com a hipocrisia, com a mesquinhez e tacanhez dos homens destituídos de amor.
O que importa é a chuva e o cheiro de terra molhada.
O sol no alto alumiando a nossa vida.
O que importa é a liberdade de ser.
LUÍSA RODRIGUES
À RIBEIRA DA MINHA INFÂNCIA
(Este foi o grito que a minha alma me ditou no dia seguinte à catástrofe do 20 de Fevereiro de 2010 na Ilha da Madeira. Dedico-o a todos aqueles que, tal como eu, conhecem e amam a bela cidade do Funchal; e porque a catarse é necessária em momentos de grande dor e impotência, face à fúria dos Elementos)
Quando eu era criança, vivi durante alguns anos na Rua Brigadeiro Couceiro, uma das transversais ali bem perto de ti, Ribeira de S. João.
Uma das mais gratas recordações que eu guardo da minha infância eram as minhas idas a pé para a escola, o Colégio Princesa D. Maria Amélia. No ar fresco da manhã, descia eu a rua ao longo das tuas margens, sacola ao ombro, cheia de sonhos e de esperança num mundo melhor. Muitas vezes debruçava-me sobre o muro de pedra e observava atentamente a água cristalina lá bem no fundo do teu leito, às vezes calma, outras vezes revolta, que serpenteava sem cessar, saltando de pedra em pedra através da vegetação luxuriante, no teu percurso imparável até ao mar. O troar das tuas águas lá em baixo soava sob os meus pés e transmitia uma sensação de calma reconfortante à minha alma, antes de entrar na escola e enfrentar o dever de aprender as primeiras letras.
O tempo passou na sua marcha inexorável e a vida levou-me para outras paragens, esbatendo lentamente as memórias mais antigas. Até que um dia, paredes-meias com a rua onde eu tinha vivido os felizes anos da minha infância e perigosamente perto das tuas margens se ergueu um grande edifício de betão e vidro e uma onda de asfalto e cimento cobriu e engoliu as tuas águas. Senti como se me tivessem emparedado a alma.
Nas poucas vezes que tentei vencer a sensação claustrofóbica e penetrei nas entranhas do novo centro comercial, bem lá no fundo, muitos metros abaixo do nível da estrada, eu conseguia sentir a presença das tuas águas, mas não lograva vê-las nem ouvi-las. Aos poucos, para não ter de ser confrontada com a dor da minha cegueira e surdez, fui evitando aquela zona da cidade.
Ontem, 20 de Fevereiro, depois duma noite de tempestade, desde o conforto e segurança do meu lar, voltei a ver-te e a ouvir-te em horário nobre, com honras de estrela de televisão. Mas estavas tão alterada que mal te reconheci! Os muitos anos de cativeiro tinham-te transformado numa torrente de água furiosa e lamacenta, galgando asfalto, ferro e betão, recuperando as margens que te haviam sido roubadas e destruindo tudo à passagem, no teu percurso imparável até ao mar.
A minha cegueira e surdez estavam curadas. E embora o meu corpo, correspondendo ao apelo das autoridades, tenha permanecido na segurança do lar, a minha alma de menina, que eu julgava perdida para sempre, voou para junto de ti. Abraçámo-nos, chapinhando e brincando até à exaustão na fonte da Rotunda do Infante, que nunca parou de esguichar água lamacenta, num abraço incessante à esfera armilar no seu centro, sob o olhar austero mas complacente d’O Navegador.
Afinal, durante todo este tempo em que eu não conseguia ver-te nem ouvir-te, tu sempre estiveste ali, aguardando paciente e silenciosamente o meu despertar. Agora eu sei que o planeta não está nem nunca esteve em perigo. A arrogância, a ganância e a incúria dos homens não constituem qualquer ameaça para ti, mas sim para eles mesmos.
Bem hajas, Mãe-Terra, pelo teu poder regenerador.
Funchal, 21 de Fevereiro de 2010
MADALENA COSTA
O QUE IMPORTA
“O que importa” (e “fugindo” para a 3ª pessoa do singular do verbo “importar”) é aquele que vai buscar fora do próprio país para produzir, para criar algo lhe é único. Ou seja, só faz sentido importar algo quando sabemos que não o vamos encontrar cá. Assim também aprendi que “o que importa” (vindo de “importância”) é tudo aquilo que criamos a partir de dentro com aquilo que recebemos de fora, do mundo e das pessoas, para criar algo que nos é próprio e que produzimos para o mundo, para os outros. Transformar a vida do outro com o objetivo de a melhorar. Seja em que medida for. Nem que seja para fazer despertar um sorriso. Porque aquilo que fica de cada um de nós não são os nossos atos, mas a transformação (consequência) que esses atos provocam na vida das pessoas.
Sou fadista. E descobri que canto para me sentir acompanhado e para fazer companhia aos outros. Quero que, com as minhas emoções, os outros se emocionem também. Para que ao cantar a minha história, cada um pense e veja a sua própria história. E se sinta acompanhado.
Tinha casa, conforto, amigos e cantava na terra que me viu nascer. Mas queria mais. Queria aprender mais e queria conhecer-me mais e melhor; a minha verdade. Aos 35 anos decidi deixar a minha casa, os meus amigos e os meus lugares de conforto para ir ao meu encontro: continuar a cantar.
Estive a morar em casa de amigos, dormi em sofás, almocei ou jantei sandes, cortei nas saídas, nos copos e nos cafés, sempre à procura de encontrar o que importa. Bati às portas de casas de fado, apresentei-me e arrisquei. Inscrevi-me em workshops de poesia, fiz contactos com músicos e fadistas, e cantei cantei cantei sempre o mais que pude. E quando estava triste, cantava. E quando queria desistir, cantava. E quando me apetecia sair, cantava. E quando estava sem rumo, sem saber o que fazer nem para onde ir, cantava. E quando tudo isto me causava insónias, cantava. E quando queria chorar, chorava e depois cantava. E rapidamente me transformava e ganhava forças. E todos os amigos que fui fazendo nunca me deixaram ir ao fundo: pediam-me para não desistir e cantar. Foi assim que descobri que me sentia acompanhado e voltava aos meus lugares interiores de conforto. Aquilo que tenho para dar, dou melhor a cantar. Aquilo que “importo” é o meu canto. Percebi que as coisas más e as coisas boas não duram para sempre: ficam o tempo que nós quisermos e têm a importância que nós lhes damos.
Hoje continuo a cantar. A contar cantando a minha verdade. Importo o meu canto. O que importa é cantar.
LUÍS MANHITA
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Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
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